O que me motivou a escrever esse artigo foi uma conversa amigável e franca que tive com um amigo advogado, branco de classe média. Conheço a família dele, os filhos, sua trajetória de dificuldades e lutas para conseguir algum espaço relevante na advocacia, e posso afirmar que é uma pessoa honesta e exemplar que merece tudo que conquistou na vida.

Em nossa conversa, lá pelas tantas, depois de estarmos fartos de boa comida, surgiu o assunto “igualdade racial”, e logo de cara ele me fala sem muito pestanejar: “desculpe minha sinceridade, mas eu não acho justo essa questão de quota racial para negros e negras em universidades e cargos públicos, para mim isso é tudo mi mi mi”.

Como o conheço bem, sei que em sua fala não teve “maldade”, ele não quis me ofender, mas no seu observando o que transmitiu inconscientemente, consegui enxergar que por mais que eu mostrasse a real necessidade da implantação das quotas raciais, ou comprovasse sua efetividade, ou demonstrasse a dívida histórica que o Brasil tem com seu povo negro, ele jamais entenderia ou mudaria de opinião, e me perguntei:  por que ele pensa assim?

Numa das aulas do professor Alysson Leandro Mascaro, a qual tive a oportunidade de assistir, o mestre responde com maestria a pergunta que me fiz após ouvir o colega discorrer sobre o tema.

O professor Alysson cita o exemplo do símbolo de justiça utilizado em nosso país, o qual é representado por uma mulher branca de olhos vendados que segura numa de suas mãos uma espada e noutra uma balança, um símbolo grego cuja representatividade populacional no Brasil não passa de 1%, segundo ele.

Por outro lado, em nosso país, mais de 50% da população se considera negra ou parda, cujas origens remontam dos povos africanos, porém, aqui o símbolo imponente de justiça no Brasil é uma deusa grega e não o deus africano Xangô cuja representação de justiça é exarada em forma de um machado constituído com duas lâminas afiadas, que significam a imparcialidade de ambos os lados.

Este é apenas um exemplo, mas o professor ainda cita outro, a nota de real, cuja representação da república está tipificada numa deusa também grega, branca que carrega em sua cabeça louros que jamais nasceram em nossa terra.

Com tais exemplos o professor explica que em nossa pátria, qualquer objeto que represente poder (capital) está intrinsecamente ligado à imagem do homem branco, jamais de um negro e muito menos de uma mulher.

Assim, o fato do meu amigo ter no seu subconsciente a certeza de que a questão da igualdade entre brancos e negros é mi mi mi, na verdade, esse entendimento foi “plantado” na mente dele e de todos nós por meio de símbolos e mecanismos de controle social os quais levaremos muito tempo para mitigar.

Por enquanto, o que me resta a dizer ao meu amigo e a todos vocês que por ventura conseguiram chegar até aqui é: a questão da igualdade racial e de gênero não é mi mi mi, a luta por igualdade NUNCA será mi mi mi, por mais que o sistema tente minimizar isso

 

 

 

 

Por: Alisson Silva Garcia – Advogado.