Liga do Funk cobra políticas públicas e critica associação de crimes ao gênero; projeto que autoriza Polícia Militar a parar festas de rua aguarda sanção do governador Geraldo Alckmin

Maior favela da capital paulista, o Heliópolis se transforma nas noites de sábado. Até 15 mil pessoas lotam as vias estreitas da favela, localizada na zona sudeste da cidade, para transformá-las em pista de dança. A música fica por conta dos potentes aparelhos de som instalados nos carros de alguns moradores.

Heliópolis é atualmente um dos principais endereços da cena do funk paulistano, muito em razão do sucesso da música “Baile de Favela”, interpretada pelo MC João.

Mas pancadões de rua assim como o do Heliópolis podem estar com os dias contados. A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, no último dia 4, o Projeto de Lei 455/15, que proíbe a realização desses eventos em locais públicos de todo o Estado. A matéria aguarda sanção do governador Geraldo Alckmin para entrar em vigor.

A lei autoriza a Polícia Militar a agir antes mesmo de esse tipo de evento começar. Os policiais poderão exigir que equipamentos de som em volume alto sejam desligados e, caso o dono se recuse, ele poderá ser multado em R$ 1 mil – valor que pode chegar a R$ 4 mil em caso de reincidência. Se a música estiver tocando em um veículo estacionado, ele poderá até mesmo ser apreendido pela PM.

O deputado Coronel Camilo (PSD), autor do projeto ao lado do Coronel Telhada (PSDB), alega que o objetivo da proposta é “acabar com a desordem urbana”. “A onda funk alcançou o Estado de SP, mas os excessos praticados para apreciar esse tipo de música têm desvirtuado o caráter meritório de movimentos culturais” comenta a dupla de coronéis legisladores na justificativa do PL.

O vice-presidente da Liga do Funk, Bruno Ramos, critica a associação feita entre a prática de crimes e o funk, o que ele classifica como “miopia política e cultural”.

“É preciso entender o que é problema do funk e o que é saldo do poder público nisso. O pancadão é uma festa com pessoas que colocam carros com som alto na rua por falta de espaços, já que o poder público não tem interesse em prover. É natural que os jovens queiram se divertir e dançar com som alto. E se está tocando funk nesses pancadões é porque o funk é uma linguagem legítima para essas pessoas.”

Funk vs. Polícia

Atualmente, a polícia só é autorizada a coibir pancadões quando há a ocorrência de crimes nesses eventos, como crianças e adolescentes consumindo bebida alcoólica. Na capital paulista, 28 servidores do Psiu (Programa de Silêncio Urbano) se desdobram para evitar que festas com música alta perturbem o sono de vizinhos.

De acordo com a PM, foram realizadas 2.599 operações policiais entre janeiro a setembro deste ano para acabar com pancadões.

“A PM agora vai poder agir no começo desses eventos, quando a situação ainda é controlável. Normalmente, os participantes de pancadões são agressivos e os servidores da prefeitura não são policiais para lidar com isso”, explica o Coronel Camilo.

Pedro Costa, um dos organizadores do “fluxo do Helipa” (pancadão realizado em ruas da favela do Heliópolis), teme que a nova lei dê respaldo a ações violentas da PM, o que já ocorre no Heliópolis.

“Por conta da polícia, o nosso baile já está bem menor atualmente. Aqui a ação sempre foi violenta. Já fizeram corredor dando porrada em todo mundo, jogaram bomba e usaram spray de pimenta”, lembra Costa.

“Essa lei reforça o que já existe dentro da comunidade. Não adianta também eu culpar a Polícia Militar e dizer que ela é a responsável, porque na verdade é o Estado que dá autonomia para que a polícia atue dessa forma dentro das favelas”, completa Bruno Ramos.

Já o Coronel Camilo afirma que é necessário dar respaldo para a polícia atuar nesse tipo de evento justamente para evitar a violência. “Esse é um problema de segurança pública. Hoje a polícia tem de intervir quando as pessoas já ‘estão alteradas’, e aí fica ruim para todo mundo porque começa a ter confronto.”

“Com a lei, se a PM souber que vai acontecer um pancadão às 19h, poderemos estacionar as viaturas no local já às 15h para não deixar formar. Isso evita o problema”, completa o deputado.

Para o vice-presidente da Liga do Funk, no entanto, a criação de espaços apropriados e de políticas voltadas para a juventude que curte o gênero musical em comunidades pobres evitaria a necessidade de discutir o envolvimento da polícia nessa questão.

“Os pancadões ocorrem hoje de forma abandonada, o que eu não considero positivo. Eles acontecem sem a presença do poder público colocando ambulâncias, banheiros químicos e garantindo uma ligação elétrica que não seja clandestina para que os próprios moradores, idosos e crianças participem. Se isso ocorresse, a questão da segurança pública nem viria ao caso, porque as pessoas estão ali só para se divertir.”

FONTE: site Ultimo Segundo, disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-11-25/funkeiros-temem-que-lei-para-impedir-pancadoes-em-sp-aumente-violencia-policial.html

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