I – O estudo das ciências policias
O estudo das ciências policiais tem sido fomentado em universidades no mundo a fora, há muito tempo. O professor e historiador de ciências policiais Eliomar Pereira assim sintetiza suas pesquisas:
“A origem da Ciência Policial se encontra na obra de Johann Heirinch Gottlob von Justi (1717-1771), especialmente em seus ‘Elementos Gerais de Polícia (1755)’, ( ) situa-se histórica e geograficamente no Estado germânico do século XVIII, no qual se desenvolve a doutrina cameralista. (…) Na América Latina, tem-se considerado Enrique Fentanes como pioneiro da Ciência Policial, ao sistematizá-la em seu ‘Tratado de Ciência de la Policía’ (1972)”.
Para Fentanes (apud Pereira, 2015, p. 60), “a Ciência da Polícia tem como objeto o estudo sistemático e metódico da polícia como Instituição e com estrutura”, ou seja, como nos explica Pereira, a denominação de ciência implica afirmar que “o estudo da polícia assume a qualidade de conhecimento científico considerado como um sistema de conhecimentos”, uma ciência cujo objeto é a polícia, como instituição e estrutura.
Álvaro Lazzarini (apud Nassaro, 2009), cuida do tema de “Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública” como: “conjunto sistemático e objetivo dos fenômenos que interessam à atividade policial para o regular exercício do poder de polícia, balizado pelos princípios jurídicos das Ciências do Direito e afins, como também pelas modernas técnicas da Ciência da Administração Pública, com a finalidade de realizar o bem comum”.
Célio Egídio da Silva, citado por NASSARO (2009), traz um conceito muito próximo à realidade policial, sem se afastar da dogmática e da pesquisa acadêmica e conciliando a atividade de policiamento ostensivo e a de polícia judiciária:
“Ciência na área das humanidades que verifica, analisa, pesquisa e desenvolve uma metalinguagem da “praxis” policial que envolve as atividades de polícia ostensiva e investigativa, em seu sentido restrito. Em sentido amplo, a conceituação abrange também as atividades de ordem e segurança pública, esta sim, na plenitude da atividade estatal de polícia que busca a melhor convivência social e democrática. É uma velha, mas neófita, ciência, pois o conglomerado de conhecimentos acumulados em quase dois séculos de existência das corporações policiais trazem à tona uma seara de conhecimento a ser pesquisada e traduzida à luz da ciência policial, autônoma e tendo as demais como ciências afins”.
Sem dúvida, “o desafio que hoje se apresenta é a organização do conjunto desses conhecimentos, em formato sistêmico e a delimitação dos [seus] contornos”.
E é por essa razão que várias iniciativas de aplicação de metodologia de pesquisa, de ensino policial e de fomento às pesquisas de ciências policiais (observatórios e grupos de pesquisa) têm sido implementadas, por diversas academias de polícia, com o fim de capacitação, profissionalização e humanização da atividade policial.
II – Instrumentos de fomento às pesquisas de ciências policiais
No Brasil, e no âmbito da Polícia Federal, as pesquisas acadêmicas da Diretoria de Gestão de Pessoal, por sua Academia Nacional de Polícia (ANP), levaram à realização, no mês de julho de 2010, do I Seminário Internacional sobre Ciências Policiais e Política Criminal, em Brasília, sob os auspícios da ANP e do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Portugal, com o fim de consolidar a ideia de uma ciência policial.
Nas palavras de Santos e Barbosa (2010), que moderaram os debates e destacaram os principais pontos dos painéis:
“As atividades do I Seminário Internacional sobre Ciências Policiais e Política Criminal, constituem os primeiros passos de longo caminho que será percorrido para se conseguir consolidar a ideia de uma Ciência Policial no Brasil, com campo de projeção próprio, mas com perspectivas diferentes, porém convergentes no sentido da importância de ter, por um lado, o ente Polícia como objeto de uma ciência e, por outro, uma Polícia que fomente a dialética, o diálogo que lhe permita figurar no centro do processo de construção de realidade democrática e justa”.
A ideia tomou corpo com a edição da Revista Brasileira de Ciências Policiais(RBCP) e a edição de uma pós-graduação pela Coordenação da Escola Superior de Polícia da ANP (CESP/ANP) sobre “Ciências Policiais e Investigação Criminal”.
No ano de 2017, a especialização mencionada foi aberta, por convite institucional, às polícias Civis do DF, GO e MG, e trouxe disciplinas como Teoria das Ciências Policiais; Criminologia; Direitos Humanos, Polícia e Sociedade; Crime organizado e corrupção; Investigação Criminal; Inteligência Policial aplicada; Análise Criminal; Uso Diferenciado da Força; Atividade pericial criminal nas ciências policiais; Identificação humana nas ciências policiais; Metodologia de Pesquisa e Metodologia do Ensino Superior, todas com parte da carga horária destinada a leituras, pesquisas, debates, oficinas, sem prejuízo de exposições orais e associando-se o conhecimento dogmático ao prático policial.
O programa de pós-graduação foi precedido de edital, dirigido, de forma integradora, universal e democrática, a todos os cargos policiais e direcionado à formação acadêmica do policial como pesquisador e docente. O foco em pesquisas em ciências policiais foi destacado desde o início, quando o candidato foi instado a apresentar o seu pré-projeto de pesquisa como requisito de seleção, que foi muito concorrida.
Na justificativa para implementação do programa de pós-graduação e introdutória para os alunos, constante na página web do curso, constaram as linhas diretrizes não apenas do certame, mas também da especialização que se desenhara, do objeto e importância de estudo das ciências policiais:
“Estabelecer a área de conhecimento das ciências policiais é fundamentar a prática profissional policial em conhecimentos que possam ser avaliados, criticados e passar pelo escrutínio de outros profissionais, da academia e de pesquisadores.
Não se consegue desenvolver uma área de conhecimentos se não houver fomento a pesquisas nesta área e não estiverem bem delineados seus espaços dentro da comunidade científica. As ciências policiais, para se afirmarem, enfrentam alguns desafios, pois elas englobam inúmeras outras áreas de conhecimento em suas atividades.
As Ciências Policiais envolvem investigação de soluções para aspectos como: (i) debate sobre o papel da polícia e sua história; (ii) análise do uso progressivo da força e a sociologia da polícia; (iii) análise de criminologia e da política; (iv) polícia judiciária e Estado democrático; (v) estudos teórico-científicos sobre a natureza, método e lógica da investigação e a busca da verdade; (vi) estudos e fundamento de uma teoria da investigação e outros temas que as envolvem tais como: teoria do crime e tipos penais, teoria das provas criminais, direitos fundamentais etc.”
Outro instrumento de fomento às pesquisas em ciências policiais é a RBCP (ISSN 2178-0013), que veiculou inúmeros artigos sobre ciências policiais, com autores nacionais e estrangeiros, publicidade semestral e comissão editorial com expertos de universidades brasileiras e no exterior, sendo objeto de leitura obrigatória quando se trata de temática de ciências policiais, investigação criminal, atuação da Polícia Federal, direitos humanos, segurança pública, combate ao crime organizado, corrupção e desvio de recursos públicos, com uma vasta gama de debates modernos, em evidência nos concursos públicos atuais.
III – Instituições de ensino superior autorizadas pelo Ministério da Educação, no âmbito das ciências policiais
A ANP é uma das escolas de governo, que foram criadas com a finalidade de promover a formação, o aperfeiçoamento e a profissionalização de servidores públicos. As escolas de governo, entre as quais estão as academias policiais, se inserem no contexto de política governamental de implantação, a execução e a avaliação de políticas públicas, com foco na formação de servidores públicos em inúmeras áreas técnicas, bem como de direitos humanos, ética e cidadania.
Em consulta ao sistema e-MEC, com as palavras chaves “ciências policiais”, foram encontradas seis instituições de ensino superior credenciadas pelo MEC e que ministram curso de especialização sobre essa temática, no DF, GO, MS e SP, entre elas o Instituto Superior de Ciências Policiais (ICSP) da Polícia Militar de Brasília e a Academia Nacional de Polícia, da Polícia Federal (ANP/PF).
Em relação ao credenciamento do Instituto Superior de Ciências Policiais, o Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação (CNE/MEC), no Parecer CNE/CES 68/2013, registrou que as ciências policiais “devem ser inscritas no universo das ciências desenvolvidas no Brasil”:
“Um outro aspecto, este, sim, merecedor da reflexão deste Conselho, consta do Parecer nº. 1.295, de 11 de novembro de 2011, do antigo Conselho Federal de Educação, que reconheceu as ‘Ciências Militares no rol das ciências estudadas no Brasil, resguardando-se os aspectos bélicos, exclusivos das Forças Armadas.’ Por analogia, penso que as Ciências Policiais devem ser inscritas no universo das ciências desenvolvidas no Brasil”.
Ao tempo do credenciamento do ICSP, texto de Fábio Evangelista para a página da PM-DF na internet enalteceu o depoimento de um dos avaliadores do MEC e a capacitação policial:
“Durante a avaliação realizada pelo MEC, profissionais da educação acompanharam o processo. Entre eles, o professor do departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia, Vinício Carrilho. ‘Quem imaginaria encontrar um soldado com mestrado em filosofia? Custei um pouco para crer, mas na PMDF encontrei. Na academia de polícia, convivem lado a lado a autoridade e o saber. A Polícia Militar do DF é inteligente, uma referência nacional’, afirmou Carrilho”.
Em São Paulo, a Lei Complementar 1.036/2008, definiu que o sistema de ensino da Polícia Militar manterá, além de cursos sequenciais, de graduação e formação, os seguintes programas de educação superior:
“a) curso de especialização no sentido lato, destinado a ampliar os conhecimentos técnico-profissionais que exijam práticas específicas, habilitando ou aperfeiçoando a formação do policial militar para o exercício de suas funções nas respectivas áreas de atuação;
b) programa de mestrado profissional no sentido estrito, direcionado para a continuidade da formação científica, acadêmica e profissional, e destinado a graduar o Oficial Intermediário, capacitando-o à pesquisa científica, à análise, ao planejamento e ao desenvolvimento, em alto nível, da atividade profissional de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, de bombeiro e de execução das atividades de defesa civil;
c) programa de doutorado no sentido estrito, direcionado para a continuidade da formação científica, acadêmica e profissional, e destinado a graduar o Oficial Superior para as funções de administração estratégica, direção e comando nas áreas específicas de polícia ostensiva, preservação da ordem pública, de bombeiro e de execução das atividades de defesa civil, bem como o assessoramento governamental em segurança pública”.
Inúmeros debates importantes e atuais são trazidos à baila no seio das academias de polícia, o que destaca a imprescindibilidade curricular de disciplinas como Direitos Humanos, Sociologia e Criminologia, que enalteçam a construção de um raciocínio crítico e que possibilite à sociedade e aos profissionais de segurança pública discussões profícuas sobre temas candentes como os meios de investigação e resolução de crimes, acertos e desacertos da política criminal, a legitimidade do sistema penal e a atuação policial como um todo, assuntos que são reiteradamente veiculados em seminários de ciências policiais.
Por fim, à medida em que se consolida o ensino policial, as ciências policiais e as boas práticas, deve-se buscar a simultânea modernização das estruturas acadêmicas. Muitas das longas aulas teóricas e de textos normativos poderiam ser substituídos por videoaulas em plataforma educacional a distância, sem necessidade de pagamento de passagens aéreas e diárias para um enfadonho ensino de leis, atos normativos e tratados internacionais. Em contrapartida, importantes cursos de aperfeiçoamento profissional para progressão de classe e para se atingir o nível mais alto da carreira (a classe especial) não deveriam ser jamais a distância, mas, sim, presencial, para debates e oficinas que (re)discutam o papel da polícia na sociedade, experiências, questões de gestão e estratégicas, bem como para que se desfaça o mantra de que a polícia “enxuga gelo” e que aumentar o efetivo policial e recursos materiais e logísticos seria apenas “dar mais do mesmo”.
Enfim, o ensino é um pilar sem o qual nenhuma instituição, policial ou não, sobrevive e evolui, portanto, as instituições devem respeitar e investir o quanto puderem nessa área; que é a única capaz de verdadeiramente transformar não apenas o perfil do profissional, mas o do exercício de toda a atividade desempenhada.
Fonte: extraído do site consultor jurídico
https://www.conjur.com.br/2018-mar-06/realidade-ciencias-policiais-aplicadasno-ambito-pf
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