O processo penal brasileiro segue o sistema acusatório, no qual as funções de acusação, defesa e julgamento são separadas. Isso garante que o juiz seja imparcial e não atue como investigador ou parte no caso. A Constituição Federal, no artigo 129, inciso I, estabelece que o Ministério Público é o responsável pela ação penal pública, reforçando essa separação de funções.
A Lei nº 13.964/2019 introduziu o artigo 3º-A no Código de Processo Penal (CPP), deixando claro que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Isso significa que o juiz não pode produzir provas ou interferir na investigação.
Porém, há uma aparente contradição no próprio CPP entre os artigos 212 e 473. O artigo 212, reformado pela Lei nº 11.690/2008, diz que as perguntas às testemunhas devem ser feitas primeiro pelas partes (acusação e defesa) e só depois, de forma complementar, pelo juiz. Esse artigo reforça a imparcialidade do magistrado. Já o artigo 473 prevê que o juiz pode determinar diligências para esclarecer dúvidas, o que pode parecer uma brecha para que ele atue ativamente na produção de provas.
Para resolver essa contradição, a interpretação correta deve ser a que mantém a separação das funções processuais. Os tribunais superiores têm decidido que, no processo penal, a forma é uma garantia essencial. Quando o juiz interfere na produção de provas, ele compromete sua imparcialidade, e isso pode levar à anulação do processo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já afirmou que “o sistema acusatório impede que o juiz tome a iniciativa na produção da prova, sob pena de romper a imparcialidade do julgamento” (STJ, HC 598.051/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 10/11/2020). O Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou esse entendimento, destacando que “a imparcialidade do juiz é condição de validade do julgamento penal, sendo vedada a iniciativa judicial na busca de elementos probatórios” (STF, HC 157.627/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 19/11/2019).
Outro ponto fundamental é que o Ministério Público é o único responsável por provar a culpa do réu. A defesa não precisa provar nada, pois vigora a presunção de inocência. Assim, se ao final do processo o MP não apresentar provas sólidas, que afastem qualquer dúvida razoável sobre a culpa do réu, a única decisão possível deve ser a absolvição. Se o juiz estiver em dúvida, deve aplicar o princípio do in dubio pro reo, que significa que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu. O STF já reafirmou isso: “Em caso de dúvida sobre a autoria e materialidade do delito, impõe-se a absolvição do réu, conforme o princípio do in dubio pro reo” (STF, HC 123.734/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 22/06/2016).
Portanto, é essencial que os juízes respeitem os limites de sua atuação e não tentem produzir provas. Se isso ocorrer, o processo deve ser anulado. O respeito às regras processuais não é mero formalismo, mas uma garantia fundamental para que o julgamento seja justo e legítimo.
Alisson Silva Garcia
Advogado Criminalista