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COTEJO ENTRE OS SISTEMAS DE PERSECUÇÃO PENAL BRASILEIRO E URUGUAIO

 

Ao longo da história da civilização o homem procurou reafirmar os sistemas de persecução penal que partiu do inquisitório, acusatório e misto. Neste sentir, cabe trazer à baila a definição de “Sistema” de Paulo Rangel, o qual ensina que “é o conjunto de princípios e regras constitucionais de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal em cada caso concreto.” (RANGEL, 2015)

A história mostra que o modelo acusatório de persecução penal – que predominou até meados do século XII, quando foi gradativamente substituído pelo sistema inquisitório – especialmente com a criação católica do Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício, que foi instituído para expandir o patrimônio e poder da igreja romana (LOPES JÚNIOR, 2012).

Posteriormente, perto no final do século XVIII, sob a influência do Iluminismo, surgiram teóricos apresentando novas doutrinas de um sistema inovador, com uma fase investigativa regida pelo ideal inquisitório na investigação; seguida de outra, posterior, eminentemente acusatória.

 

1. Sistema inquisitório

 

O sistema inquisitivo (ou inquisitório) é marcado pelo autoritarismo do Estado, onde o Juiz tem participação em todas as fases do processo, passando pela efetiva atuação na fase policial, depois na decisão de recebimento ou não da ação, até o julgamento; e todas essas fases podem ter atuação de um único juíz.

Neste sentido, bem explica Paulo Rangel (RANGEL, 2008, p. 46) “No sistema Inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.” Esse sistema, dadas suas características, em períodos não muito distantes, deu margem para que a formação de provas ocorresse por meio de tortura, e outros meios ilegais que maculam todo processo.

Sob o argumento de que “a justiça deve ser feita a qualquer custo”, sob a égide desse arcaico sistema, tramitou no Brasil nos anos de 2013 até meados de 2018 a chamada “Operação Lava-jato”, que dentre várias ilegalidades apurou-se a relação “pouco republicana” entre magistrados e procuradores, com intuito de “punir a qualquer custo” pessoas acusadas de corrupção.

Tal modelo inquisitório, anos antes, foi bem retratata por Gustavo Badaró “(…) é caracterizado por uma conotação negativa, de uma técnica de investigação que visa principalmente a valores de defesa social.” (BADARÓ, 2003, p. 108).

Os exemplos históricos deixam claras as evidências de que nesse modelo há elevado grau de autoritarismo por parte do Estado, o qual assume o papel de acusar, julgar e defender. E, de fato, o juiz exece o papel de um verdadeiro inquisidor, assim ilustrado nas palavras de eminente professor Aury Lopes Jr (LOPES JUNIOR, 2008, p. 61):

 

O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte mero objeto da investigação.

Como se constata, a incompatibilidade do sistem inquistório num estado democrático de direito é latante, tanto que quase todos os Países da América Latina já se adequaram ao Sistema Acusatório. Esse movimento que se iniciou na Guatemala no ano de 1994, vem trazendo novos Países para a democratização da Justiça Criminal. (DAKOLIAS, 1996)

Esse sistema vai de encontro ao garantismo penal, marco teórico que tem em Luigi Ferrajoli seu grande representante, o qual ensina que o verdadeiro sistema garantista é aquele que opera excluindo a incerteza e a imprevisibilidade de sua intervenção, ou seja, que se prende a um ideal de racionalidade, condicionado exclusivamente na direção do máximo grau de tutela da liberdade do cidadão contra o arbítrio punitivo (FERRAJOLI, 1997).

O sitema inquisitorial é justmente o oposto do que fora ensinado Ferrajoli, pois trata-se de um regime de constitucionalidade duvidosa, que dá azo ao cerceamento de direitos e ao arbítrio.

 

 

  1. Sistema acusatório

 

De acordo com o professor Aury Lopes Junior, o sistema acusatório tem origem no direito grego, segundo o qual há uma nítida separação das funções de acusar, defender e julgar, conferidas a partes distintas com igualdade de condições na relação processual (LOPES JUNIOR, 2011, p. 58).

No sistema acusatório, os princípios do contraditório, da presunção de inocência, da ampla defesa e da publicidade conduzem todo o processo.  O princípio da verdade real é substituído pela busca da verdade, pois sabe-se “não existir nenhuma verdade judicial que não seja uma verdade processual” (PACELLI, 2017, 20). O órgão julgador é dotado de imparcialidade e atua de forma equidistante das partes, apreciando as provas pelo sistema do livre convencimento motivado. No Brasil, em que pese a lamentável vigência arcaica do sistema inquisitório, desde 1988 a Carta Política optou inequivocamente pelo sistema acusatório como modelo de persecução penal (DEZEM, 2019).

Finalmente, com a reforma no Código de Processo Penal de 2019 (CPP), foi introduzida a figura do juiz das garantias, que é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (artigos 3º-A e 3º-B)

Diferente da previsão anterior, onde um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença – porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único do CPP). Com as mudanças, cabe ao juiz das garantias atuar na fase da investigação, e ao juiz do processo, julgar o caso – este, tendo ampla liberdade em relação ao material colhido na fase de investigação. A introdução do juiz das garantias foi um passo importe na transição do sistema de persecução penal brasileiro, em especial porque se coaduna com os princípios garantistas contidos na Constituição de 1988. Até a conclusão deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática do ministro Luiz Fux, proferida na data de 22.01.2020, determinou suspensão da eficácia desta parte da lei através da Medida Cautelar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.298 e 6.299. Assim, até que sobrevenha nova decisão da Corte Suprema, o juiz das garantias não está sendo aplicado nos tribunais brasileiros.

No Uruguai, o Código de Processo Penal de 2017 modificou substancialmente o procedimento penal e passou do Sistema Inquisitório para o Sistema Acusatório, essencialmente oral e público. Para a aprovação das profundas reformas do Código de Processo Penal do Uruguai foi preciso uma articulação muito bem elaborada de todo o Sistema Político, que passou por alterações na Lei Orgânica dos Tribunais, a Lei Orgânica da Polícia, a Lei Orgânica do Procedimento Penal e o Estatuto do Ministério Público. Uma das principais modificações introduzidas pelo código processual penal uruguaio foi a conceção de poderes para que o Ministério Público dirija as investigações – o que no Brasil foi feito através de decisão da Suprema Côrte[1].

Doutro norte, importante ressaltar que a reforma processual penal uruguaia também garantiu de participação das vítimas na persecução do crime. Neste ponto, importante notar que, progressivamente, na história da criminologia. O estudo da vitimologia contribuiu para determinar o grau de inocência da vítima, assim com o grau de culpa do criminoso; contribuindo também para o entendimento do delito e determinação da pena.

Tal modificação é de extrema relevância, já que, até então, no ordenamento jurídico, o fato criminoso era visto apenas sob prisma do autor do delito e se deixava a vítima apenas como mero repositório de informação. Essa evolução, sob o ponto de vista criminológico, contribuiu para melhor entendimento e elucidação do crime, e até para o estudo de políticas criminais (LIRA, 2019).

A reforma processual penal uruguaia definiu que é dever do Ministério público: a) Proteger as vítimas adotando ou solicitando as medidas necessárias; b) facilitar sua intervenção no processo; c) evitar que seus direitos sejam afetados; d) informar a vítima sobre o curso e resultado do processo; e) informar a vítima sobre seus direitos e as ações que dispõe para exercê-los; f) ordenar, ou solicitar ao juiz, as medidas necessárias para a proteção da vítima e de sua família frente às ações hostis, ameaças ou agressões (FISCALÍA GENERAL DE LA NACIÓN, 2019).

Como se constata, a reforma trouxe maior participação da vítima no processo penal, inclusive ela (vítima) ou seu representante poderão manifestar sua intenção de participar do processo, devendo consignar seus dados e designar quem será seu advogado. A reforma, ainda, trouxe a previsão da assistência jurídica à vítima por meio de defensor público ou por meio de escritórios jurídicos de universidades públicas ou privadas, quando esta for carente de recursos, ou solicitar. Enfim, o novo texto legal trouxe ampla garantia às vítimas, e tal previsão deve ser festejada, uma vez que todos esses direitos não eram expressos na lei, o que dificultava a proteção da vítima.

 

3. Sistema misto

 

O sistema misto, como sugere o nome, é dividido em duas fases: a primeira, consiste na instrução preliminar, tocada pelo juiz e eminentemente inquisitiva; e a segunda, judicial, sendo a acusação feita por órgão distinto do que irá realizar o julgamento.

Nesse sistema, a principal crítica é o comprometimento da imparcialidade do juiz, uma vez que a participação mais efetiva na primeira fase é dos órgãos estatais: Polícia Investigativa, Ministério Público e Judiciário.

Por ser uma fase inquisitiva, por vezes a participação efetiva do suspeito é mitigada e, ao contrário disso, o Juiz e o Ministério Público controlam as diligências investigatórias realizadas pela polícia de atividade judiciária.

Como bem aponta Aury Lopes Junior, o principal defeito desse modelo é o fato de que “a prova é colhida na inquisição do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão” (LOPES JUNIOR, 2011, p. 130).

Como grande parte das provas é produzida sem a efetiva participação do suspeito (também conhecido como indiciado), na segunda fase o processo acaba por converter-se em uma mera repetição da primeira fase, e por isso, a crítica de Jacinto Coutinho que chega caricaturizar o sistema como “monstro de duas cabeças” (COUTINHO, 2000).

4. Políticas desencarceramento

 

O aprisionamento de pessoas existe desde os tempos mais remotos; contudo a utilização da prisão como controle social é algo datado da idade moderna, o qual passou a ser utilizado como aparelho ideológico e conservador no momento em que impôs um conjunto de normas jurídicas, com a finalidade única de atender e reproduzir os valores e princípios fundamentais da sociedade capitalista neoliberal (MUÑOZ CONDE, 2005).

As notícias vinculadas nos meios de comunicação dão conta de que o super encarceramento não é exclusividade do Brasil[2] e Uruguai[3], países desenvolvidos como EUA e China, juntos reúnem 3,69 milhões de pessoas nessa condição (WALMSLEY, 2021).

Não restam dúvidas que as penitenciárias ao redor do mundo, em sua grande maioria, enfrentam o problema do encarceramento exacerbado, e essa condição exige resposta do poder público, seja ele de onde for. Neste sentido, a política de impedimento de prisões desnecessárias trazida no bojo do Acordo de Não Persecução Penal brasileiro e do procedimento abreviado uruguaio, são propostas concretas que reconhecem que o encarceramento não é a melhor solução para reduzir dos índices criminais.

Não é novidade que o sistema penal brasileiro produziu massacres, torturas, diversos tipos de violações dos direitos humanos, historicamente. Mais recente, o conhecido “massacre do Carandiru” em 1992, no coração de São Paulo, expôs a grave condição das penitenciárias no país. Já que tal fato tão grave aconteceu no centro do principal e mais rico Estado do Brasil, se pode imaginar o que aconteceu no interior dos rincões dos Estados mais pobres.

No Uruguai, a situação não é muito diferente do Brasil, o sistema carcerário uruguaio também é caracterizado pela superpopulação e as consequências insalubres de dificuldades de alimentação, acesso à saúde, educação, trabalho, problemas de convivência, episódios graves de violência, superlotação, assolam o aquele país. A notícia animadora, é que no Uruguai, mesmo com suas limitações e dificuldades, apresentou informações importantes que podem servir de lição ao Brasil. De acordo com o Informe Anual de Situação do Sistema Carcerário e de Medidas Alternativas de 2021, publicado no site oficial do Parlamento uruguaio[4], com o advento da Pandemia do Covid-19, a fim de obter recursos para superar a crise, o Instituto Nacional de Reabilitação lançou uma política de parceria com instituições públicas e privadas (Sistema Nacional de Emergência, organizações sociais e contribuições de empresas e sindicatos) que possibilitaram enfrentar a pandemia com resultados muito bons (COMISIONADO PARLAMENTARIO PENITENCIARIO, 2021).

O mesmo relatório ainda informou que o fato de a população privada de liberdade ser prontamente definida pelo Ministério da Saúde Pública como vulneráveis ​​e prioritários a serem vacinados, possibilitou que as vacinas chegassem rapidamente a todas as prisões do país e até mesmo a pessoas com medidas alternativas à prisão.

Em mais um exemplo de boas práticas, o relatório trouxe ainda informações a respeito do sucesso obtido na Unidade 01 de Punta de Rieles, a pioneira experiência prisional “público-privada” do país. Após um conjunto de ações do Ministério do Interior, foi reformulada a gestão com a empresa que co-gerencia a unidade e com isso permitiu-se um relacionamento mais fluido entre eles, superando entraves em torno do que era privado e do que era público, possibilitando reparar um setor inteiro que estava abandonado há muito tempo após ter sofrido grandes danos.

Essas e tantas outras lições indicam que o Uruguai procura constantemente melhorar seu sistema prisional, fato que por si, já é motivo de celebração, uma vez que, ao contrário disso, o país vizinho admitiu sua dificuldade crônica em lidar com a questão do sistema carcerário quando formalmente foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil o “estado de coisas inconstitucional”[5].

É bem verdade que o crescimento demográfico da população carcerária do Uruguai levou o próprio Ministro do Interior em 2021 reconhecer que infelizmente há uma violação dos direitos humanos nas prisões[6]. No entanto, constata-se que há efetivas ações planejadas no sentido de avançar nas melhorias das condições do sistema carcerário uruguaio, exemplo disso é investimento na formação dos funcionários. De acordo com o relatório acima citado, os anos decorridos desde o início da reforma penitenciária (2010), a nova abordagem na gestão e formação do trabalhador penitenciário começou dar frutos: oficiais de carreira forjados com a nova abordagem atualmente ocupam o comando em níveis médios e altos de gestão prisional e lideram com sucesso inovações importantes no que diz respeito à minimização do ostracismo prisional, mesmo tendo que enfrentar  muitas vezes contextos inadequados e/ou poucos recursos (COMISIONADO PARLAMENTARIO PENITENCIARIO, 2021).

Nesta esteira, no Uruguai foi promulgada a Lei 19.996/21, regulamentada pelo Decreto nº 251/22, a qual instituiu o Plano de Dignidade do Trabalho. A referida lei estabeleceu um sistema de contribuições para a segurança social para que os reclusos possam produzir produtos e vendê-los fora dos estabelecimentos.

Tal avanço legislativo abre portas para que unidades prisionais treinem detentos para produzirem e venderem seus produtos, ganhando autonomia e acessando recursos para sua própria sustentação.

Com essas e tantas outras transformações evidencia-se o fomento por um ambiente de trabalho nas penitenciárias com áreas de formação profissional, desenvolvimento sociocultural e excelente convivência.

Evidentemente, os métodos de transformações, em qualquer processo, não são lineares. Porém, há de se convir que o poder público está trabalhando para atingir a direção desejada; isso está sendo feito não somente como produto e consequência de uma decisão política, mas pela união de interesses que tem em comum a recuperação de seres humanos com dignidade e respeito.

A grande questão que se coloca, e é o objetivo do trabalho, diz respeito a identificar quão relevante foi para o Estado brasileiro a implantação do Acordo de Não Persecução Penal, assim como o Procedimento Abreviado para o Estado uruguaio, bem como evidenciar se as aplicações destes institutos, efetivamente, foram importantes na redução dos índices de criminalidade.

Para tanto, nos valemos do estudo científico da criminologia, que historicamente se iniciou com Lombroso em 1870 sobre os traços antropológicos dos criminosos, até a publicação de seu famoso L’uomo delinquente em 1876 (LOMBROSO, 1836), passando pelos estudos estatístico-sociais de Guerry (GUERRY, 1833) e Quételet (QUETELET, 1835), nas primeiras décadas do século XIX, e nos próprios clássicos, que tem como o de maior destaque BONESANA, também conhecido como Marquês de Beccaria (BONESANA, 1764) em seu clássico tratado “Dos delitos e das penas”.

Havia diferenças marcantes entre os renomados autores acima citados, entretanto, com bem ensina German Aller, o que eles têm em comum é a noção de livre-arbítrio e responsabilidade, fatos estes que os unia ou aparecia como um elemento em comum (ALLER, 2010).

Com base nestes princípios, vemos que a criminologia atual pode responder à pergunta aventada através dos estudos, os quais comprovam que a cultura do punitivismo popular, a qual Garland Chamou de “criminologia do outro”, não é o melhor caminho (GARLAND, 2008).

Em tempos de polarização política, o reforço da cultura punitiva, necessariamente, tem elementos discursivos fortes em oposição à efetivação plena e democrática das garantias individuais e a criação de um espaço limitado (o sistema de justiça), no qual se consentem apenas manifestações formais e inócuas desses direitos (SICA, 2008).

A criminologia já demonstrou que a pena pura (punição), como elemento central da racionalidade penal moderna – que tem suas origens nas teorias mais justificativas do que legitimadoras (a natureza da pena é retributiva) – resulta na imposição de sofrimento e estigmatização do autor, na exclusão da vítima e na apropriação de sua voz como forma de manter um sistema de castigos calculados que nada previne, pelo contrário, mais ilude, do que previne (SICA, 2008).

Por outro lado, as ideias minimalistas e despenalizadoras expressas por Alessandro Baratta (BARATTA, 2002) e Eugenio Raul Zaffaroni (ZAFFARONI, 2003), inspiram um plano concreto de contenção às insurgências punitivistas, seja pelas reações vingativas e descontroladas provenientes da sociedade, seja por aquelas que derivam da própria intervenção estatal.

Essas ideias se insurgem não como regra geral em substituição ao sistema, mas como uma forma de transição obrigatória rumo modernização do sistema penal ideal. Neste contexto, melhor ilustra o argumento Zaffaroni, a quem assiste razão quando conclui:

“(…) o direito penal mínimo é, de maneira inquestionável, uma proposta a ser apoiada por todos os que deslegitimam o sistema penal, não como meta insuperável, e, sim, como passagem ou trânsito ao abolicionismo, pois mais inalcançável que este hoje pareça (…) (ZAFFARONI, 2003).

 

Conclusão

Nessa perspectiva, o minimalismo enquanto estrutura de novas práticas e processos punitivos, ainda que numa dimensão minimamente justificadora do sistema penal, merece destaque no sentido de ser transição obrigatória para o avanço do sistema penal rumo à modernidade.

Na visão de Baratta, diante de todos os problemas provocados pelo sistema penal, faz-se necessário construir uma política criminal alternativa, adotando o ponto de vista do interesse das classes subalternas, provocando transformações na raiz dos fenômenos negativos examinados pela criminologia crítica, e incidindo sobre as causas mais profundas (BARATTA, 2002).

Nesta esteira, contrário ao senso comum de punitivismo exacerbado, conclui-se que a implantação de sistemas penais acusatórios e normas despenalizadoras, são medidas importantes que servem como meio rumo à modernização da aplicação do direito penal de forma mais eficiente.

 

Autor: Alisson Silva Garcia

Advogado criminalista atua em São Bernardo do Campo e região do Grande ABC.

 

 

 

Bibliografia

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[1] Julgamento do RE 593.727, o Supremo Tribunal Federal do Brasil reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promoção de investigações criminais.

[2] O CNJ disponibiliza on-line e em tempo real o número de pessoas presas, até o dia 01/09/2022 o Brasil tinha 910.934 pessoas privadas de liberdade. Disponível em https://portalbnmp.cnj.jus.br/#/estatisticas acesso em 01/09/2022.

[3] De acordo com o relatório anual do comissário parlamentar uruguaio Juan Miguel Petit ao Parlamento, em julho de 2022 o Uruguai contava com 14.502 pessoas privadas de liberdade. Disponível em: https://ladiaria.com.uy/tags/personas-privadas-de-libertad/  acesso em 01/09/2022.

[4] Disponível em: https://parlamento.gub.uy acesso em: 25 de agosto de 2022.

[5] O estado de coisas inconstitucional surgiu como categoria e técnica decisória de declaração de inconstitucionalidade na Corte Constitucional da Colômbia no ano de 1997, por ocasião do julgamento da Sentencia de Unificacion (SU) nº 559. Naquele caso, 45 professores das cidades colombianas de Zambrano e Maria La Baja tiveram seus respectivos direitos previdenciários, inerentes à entidade de classe dos docentes, maciça e estruturalmente violados pelas Autoridades locais, que os negaram porque se recusaram a filiar tais docentes ao Fundo Nacional de Prestações do Magistério. (MARCUS VINICIUS VITA FERREIRA, 2021)

[6] Declaração do Ministro do Interior Luis Alberto Heber por ocasião da interpelação feita pela Deputada Lúcia Echeverry durante seção extraordinária na Camara dos Representantes em 28/09/2021.

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