Para coronel da PM, demais elos da corrente de responsabilidade na área de segurança falham e todas as pressões recaem sobre o policial
A cultura de atuação armada da Polícia Militar e seus profissionais no Brasil exige, em todos os estados, que a sociedade tire o dedo do gatilho na hora de buscar a culpa pela violência baseada na vingança e não na prática de justiça, de um lado, e a mudança da estratégia de ação do uso de arma de fogo como sinônimo de morte para uso para a proteção de vida. Esta é uma das premissas do Método Giraldi que o idealizador, o coronel Nilson Giraldi, não tira da pasta de palestras e cursos de formação e reciclagem de profissionais de segurança pública há anos.
Para Giraldi, o simplismo no debate, a ausência de plano estrutural governamental para modificação da legislação e ações de política de segurança em cada uma das instâncias, a desinformação da maior parte da população aliada ao sentimento de vingança em relação à resposta contra os casos mais graves de violência e a pressão de setores conservadores à cultura da matança em detrimento à ação pela vida dificultam avanços e perpetuam velhos vícios no tecido social.
“A polícia está no limite do gatilho social. Todas as responsabilidades e pressões estão recaindo sobre os ombros do policial, porque é ele que está nas ruas, no enfrentamento do crime e em contato com a população. Mas isso atingiu o limite, enquanto os outros elos da corrente das responsabilidades não enfrentam suas parcelas, outras são omissas e outras fazem o jogo do empurra no meio da tragédia”, posiciona o coronel.
Nesse sentido, Giraldi apela para a reversão do sentimento popular e da apatia social a partir do que sente o policial nessa “batalha”. “Ao discutir política de segurança pública temos de parar de repetir o erro da avaliação das exceções, ou seja de enfiar o dedo na ferida a partir dos casos de execução ou erro na prática policial. É preciso discutir o tema a partir do valor humano, do ser humano. Se o policial não estiver de bem com a vida, não tem método que funcione. O policial sofre, ri, chora, é pai, filho, esposo, esposa. Não é máquina. Ele tem limite e está no limite, insisto”, aborda.
O palestrante complementa: “E o policial também falha. Na vida só não falhou quem nunca viveu. E não confunda falha com erro. Falha é involuntária e erro é voluntário. E, naturalmente, se erra será punido por esse fato”.
Em mais um encontro com policiais em treinamento, nesta semana, na sede do Batalhão de Policiamento do Interior (BPMI) em Bauru, Nilson Giraldi, repetiu sua premissa: “Esqueçam por um instante a melhor arma, a abordagem mais adequada para cada tipo de situação de confronto de violência nas ruas. Vamos, desarmados de espírito, falar primeiro do ser humano que representa o setor público em proteção a toda população. As metodologias de abordagem na PM Paulista são adequadas, a polícia de São Paulo é muito bem preparada e não por acaso o Comitê Internacional da Cruz Vermelha transversalizou nosso método. Mas se não começarmos pelo ser humano policial não vamos mudar essa cultura”, lançou.
Viver o risco
O coronel Nilson Giraldi cita que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a profissão policial é a segunda mais perigosa no mundo e “a mais perigosa no Brasil”. “E ele ingressa na carreira para ter contato com o mal, o perigo e a violência todo dia. O método que criei e é aplicado aqui treina a polícia não para matar, mas para preservar a vida e servir e proteger a sociedade e o policial. Matar qualquer um sabe, sobretudo o criminoso”, apresenta.
Assim, Giraldi combate a discussão a partir da exceção. “Vamos ser claros: execução é crime e se o policial errou na conduta, que receba punição rigorosa e seja expulso. Põe no papel para ver que os erros ou abusos são exceção. Então, primeiro é preciso reconhecer que a polícia em São Paulo, proporcionalmente ao número de confrontos armados dos quais participa, é a que menos mata no mundo, a que mais prende, a que menos perde integrantes em ação no mundo e a que mais respeita os Direitos Humanos sim. Então convido os especialistas, a sociedade, a começar a discussão a partir da necessidade do policial estar de bem com a vida”, propõe.
Ao adentrar em um item específico da estratégia de atuação policial, em caso concreto, nas ruas, o coronel dispara: “O método Giraldi ensina o policial a administrar suas emoções sob tensão, no limite da adrenalina. E na aplicação do treinamento policial se leva em conta a neurociência, o que implica em ter como base os reflexos condicionados positivos em treinamentos imitativos da sociedade com a eliminação dos reflexos negativos antes do policial ser envolvido pelo fato verdadeiro”.
Em síntese, Giraldi diz que a “formação ensina o policial a administrar suas emoções. E lembre-se que só 5% de nossas ações são controladas no cérebro de forma consciente. 95% das ações estão no plano inconsciente. E aí está o perigo. É neste ponto que o Método Giraldi atua”. Segundo ele, isso significa ensinar o policial a analisar a pessoa, nas ruas, pela intenção e não pelo rosto, treinar o profissional para que este antecipe situações de risco e intenções perigosas possíveis no confronto.
Giraldi prossegue: “O método tem uma estrutura de preparo que leva o policial a racionalizar e antecipar reações para agir de acordo com a estratégia adequada. A morte está sempre presente o confronto armado e é preciso ter claro que o agressor tem a iniciativa no confronto. A vida para o criminoso não vale nada. O policial é chamado a lembrar, sempre, que o disparo é sempre a última alternativa, o último recurso. E se for necessário realizar o disparo é sempre para preservar a vida e nos limites da lei”.
Nilson Giraldi lembra que o Brasil é o país mais violento do mundo, o que agrava a convulsão social. “Além disso, é preciso ter claro que a explosão da população no mundo gera fome e miséria e violência. E segurança pública é tudo o que o Estado faz ou manda fazer para dar segurança ao cidadão, o que inclui a iluminação, sinalização, presídios, opções de educação e lazer. Mas a pressão recai em sua maior parcela sobre o policial e não sobre cada elo dessa corrente, porque o policial é o único jogador desse time que está no meio do povo”, fala.
O coronel aposta na reconstrução dos laços de afeto familiar e educação dos filhos, a partir dos lares, como a única vacina capaz de conter a violência. “Há explosão da população e da miséria, degradação do amor e educação nos lares e das políticas sociais e educação. Então não é só injusto, como cruel e errado culpar o policial”, protesta.
Método Giraldi
Segundo o próprio autor, o “Método Giraldi” não é uma “simples instrução de tiro, mas uma doutrina do uso progressivo da força, o que inclui a arma de fogo, por parte da polícia e do policial, com a finalidade de servir e proteger a sociedade e o próprio policial. O procedimento é regra e o disparo é a exceção”.
O método foi desenvolvido para aplicação em todas as atividades da Polícia Militar do Estado de São Paulo com possibilidade do uso da arma de fogo, com disparos ou não, desde o patrulhamento de rua até atividades mais complexas. “O método leva em conta as leis, os Direitos Humanos e os tratados internacionais sobre segurança dos quais o Brasil é signatário. O disparo é a última alternativa, medida extrema usada quando há necessidade de preservar vidas inocentes”, completa Nilson Giraldi. Para o idealizador, o método também tem a finalidade de “ensinar o policial a regressar íntegro para sua família após o trabalho”.
O coronel define as premissas do trabalho: “Violência nunca, tortura jamais, força necessária, integral respeito aos Direitos Humanos e às leis”.
“Oração do policial militar”
Autor: Coronel PM Nilson Giraldi
Senhor:
Saio de casa para o serviço; fazei com que volte são e salvo.
Enquanto protejo outras famílias, por favor, proteja a minha.
Não deixe que uma bala traiçoeira me atinja, nem que eu seja instrumento para injustiças.
Faça com que minha presença irradie segurança e bem estar, jamais medo ou desconfiança.
Nos momentos difíceis, e diante da morte, não deixe que eu caia em desespero.
Sou humano, mortal, às vezes fraco, mas me faça parecer sobre humano, imortal, forte, a fim de inspirar confiança, esperança e força aos desamparados.
Quando das minhas falhas me perdoe, ainda que não sejam intencionais.
Dá-me força e sabedoria para auxiliar os desesperados, e fé para não desistir diante de uma vida que se acaba.
Auxiliai-me a ser criança para as crianças; pai para os desprotegidos; e adulto para os necessitados.
Que o vigor das minhas ações seja sempre em proteção à paz, à vida, aos mais fracos, aos oprimidos e aos humilhados.
Que eu saiba ver a beleza do coração, não da face, da cor, da raça, da religião ou da condição social.
Que os menos esclarecidos compreendam minhas limitações e a complexidade do meu trabalho.
(de volta para o lar)
Obrigado, Senhor, pelo retorno ao seio da minha família
Senhor abençoai e protegei os policiais militares
Amém!
FONTE: site JS Net, disponível em: http://www.jcnet.com.br/Geral/2015/11/policia-esta-no-limite-do-gatilho-social.html
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